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Homenagem a António Almeida Santos

      A homenagem que hoje prestamos ao Doutor António de Almeida Santos traduz um ato de justiça pela obra que, em mais de quarenta anos de vida política no Portugal democrático, realizou em prol dos direitos fundamentais e da construção e salvaguarda do património dos direitos económicos, sociais, culturais e cívicos das pessoas. Na sua conceção, a democracia política era crucial, porém exígua se desacompanhada do acervo de outras dimensões da vivência democrática, mormente a socioeconómica, a cultural, a ecológica, rumo à cidadania plena e à inclusão de todos os cidadãos.

      Já foi dito que Almeida Santos assumiu a função de fundador do Estado constitucional pós-revolução; e que foi o grande arquitecto do constitucionalismo, ao mesmo tempo que se converteu em Legislador de exceção, como jurista insigne que era. Homem de causas, soube fazer suas as reivindicações dos mais desfavorecidos e trazê-las para a ribalta das preocupações políticas. Parlamentar de rara craveira, servindo sempre os debates com enorme inteligência e com um acutilante sentido de humor, distinguiu-se como um dos poucos políticos que soube entregar-se à causa pública, mesmo com sacrifício pessoal, ainda que as marés não fossem favoráveis.

    Enquanto membro de vários governos provisórios e constitucionais, como deputado e Presidente da Assembleia da República empenhou-se na defesa de objetivos que reputava justos: a ele se ficaram a dever o arranque da política de igualdade de género, particularmente com a revisão do Código Civil, de 1977, que patrocinou, as alterações às leis de menores, de que foi promotor; e a mudança de paradigma que anunciou, com larga antecipação, no que tange à magna questão do consumo de drogas. A ele se ficou a dever a criação dos primeiros dispositivos de intervenção psicossocial e médico-psicológica nas drogas, sendo o autor de inúmeros diplomas, destacando-se por considerar, logo em 1976, que os toxicodependentes não são delinquentes, antes doentes que requerem tratamento e não castigo, propondo, nesse ano, que o consumo e a posse para consumo fossem arredados do espaço criminal para o exílio contraordenacional – o que demorou 25 anos a concretizar-se!

        Além de político e excecional advogado, Almeida Santos foi contista, cantor do fado da sua Coimbra e um Homem livre. Escutaremos a interpretação da Canção com Lágrimas, de Manuel Alegre, gravada num cd a que intitulou No outono da voz.

      Conheci pessoalmente Almeida Santos no início dos anos Oitenta; pouco depois, fui adjunto de um seu secretário de Estado, corriam os tempos difíceis da crise derivada das políticas dos anos 1980/1982 e estava-se em plena fase de bloco central. Nesse então, com vinte e tal anos, saído da universidade, muito aprendi com o seu labor e a enorme capacidade de trabalho e de motivação. E nunca mais deixei de o contactar, nascendo entre nós uma amizade que perdurou.

     Soube que considerara, num momento inicial, um pouco estranha a minha mudança do Direito para a Psicologia: mas compreendeu que, no fundo, eu buscava as mesmas coisas, ainda que em um outro espaço.

A sua ação no campo da política de drogas foi a razão por que o nomeámos Associado Honorário da PSIJUS, qualidade em que proferiu a conferência de abertura do II Congresso Internacional de Psicologia Criminal e do Comportamento Desviante – Estranhas formas de Vida, em 2004, apresentando uma extraordinária reflexão sobre a exclusão social.

      Em 2003, pedi-lhe que escrevesse o prefácio para o meu primeiro livro de ficção: aceitou de imediato e esteve na respetiva apresentação. Recordo-me de lhe ter entregue os textos dos contos, no final de um almoço, dizendo-lhe da minha dificuldade na seleção e alinhamento; com o sorriso que lhe era peculiar, retorquiu-me: vai ter de perceber que também se gosta dos filhos feios…

     Almeida Santos – já todos o afirmaram – era uma pessoa de profundas convicções democráticas e socialistas; identifiquei-me sempre com essa sua vertente. Aprendemos com ele a apreciar mais a tolerância, a salvaguardar os direitos dos outros, a respeitar as opiniões diferentes. Porque Almeida Santos era um Homem solidário, frontal, que ensinou a várias gerações – à minha, especialmente – que a liberdade não se transaciona - conquista-se e vive-se. A nossa e a alheia. Porque, como ele acreditava, não se pode ser verdadeiramente livre quando se despreza a liberdade do outro. Aprendemos também que a liberdade se constrói e completa na cidadania plena e na inclusão.

 

Lisboa, 1 de Junho de 2016

 

Carlos Alberto Poiares

 

Presidente da Direção da PSIJUS

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