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I Convenção da PSIJUS

Psicologia Forense e Intervenção Juspsicológica

          A Convenção da PSIJUS, reunida em Lisboa nos dias 17 e 18 de Maio de 2017, debateu entre associados dois temas da maior relevância no âmbito da Psicologia Forense e com fortes implicações na vida dos seus profissionais - psicólogos, professores e investigadores -, mas também junto dos estudantes que, mediante a frequência de mestrados, visam apetrechar-se para a prática profissional.

 

           Os temas elegidos foram Ética, Especialidades e Acesso à Profissão, no dia 18, com coordenação da vice-presidente Maria Cunha Louro, e com intervenções da secretária da Direção Rita Domingos e da secretária Executiva Catarina Ferreira da Silva e Ensino & formação, coordenado pelo presidente, Carlos Alberto Poiares, com intervenção da secretária da Direção, Fátima Tremoço.

 

        No âmbito do tema Ética, Especialidades e Acesso à Profissão, foram abordadas as falhas no âmbito ético no que concerne à prática da Psicologia Forense, nos vários domínios de intervenção, bem como o modus operandi para a atribuição da Especialidades pela Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) e, por fim, mas não menos importante, as questões do Estágio Profissional, elencando-se as várias vicissitudes sentidas pelos psicólogos estagiários.

 

         A Convenção estabeleceu como conclusões, sobre o primeiro painel Ética, Especialidades e Acesso à profissão, o seguinte:

 

1ª A área da Psicologia Forense tem sido “esquecida” pela OPP. Pelo menos, tem revelado um desinteresse ou falta de conhecimento, não havendo qualquer comissão ou grupo de trabalho nesta área, em concreto.

 

2ª Há frequentemente duplicidade das áreas: quem exerce clínica pode praticar forense. Quando se fala em princípios éticos pelos quais se deve reger o psicólogo no desempenho da sua prática profissional, fala-se de um conjunto de questões com as quais o profissional da Psicologia é confrontado no seu dia-a-dia, em especial no âmbito da área forense, particularmente no que concerne às questões da confidencialidade, limites da avaliação, responsabilidade e competência.

 

3ª É necessário desenvolver conhecimentos acerca do enquadramento conceptual e das especificidades inerentes à prática no domínio da Psicologia Forense, essenciais para um exercício profissional competente e responsável.

 

4ª Promover junto dos profissionais a reflexão da operacionalização e os conceitos de ética e deontologia, de molde a desenvolver uma postura autónoma e responsável na prática da profissão. 

 

5ª A conclusão antecedente remete-nos para a segunda temática abordada neste painel, as Especialidades, nomeadamente a especialidade avançada em Psicologia da Justiça e a necessidade de domínio rigoroso, pelo psicólogo forense, da taxonomia da penalidade, da culpa e da responsabilidade.

 

6ª Assim, defendeu-se a necessidade de restringir o exercício das funções do psicólogo forense, a aplicação de técnicas e fornecimento de serviços, apenas para os profissionais que se encontram qualificados com grau académico neste domínio da Psicologia. 

 

7ª Consideramos que um psicólogo tem que atuar de forma competente, íntegra e objetiva. Os psicólogos forenses devem estar conscientes da necessidade de possuir elevados níveis de competência, formação e experiência para levar a cabo as avaliações e intervenções de maneira otimizada, sublinhando a necessidade de possuir e atualizar conhecimentos, tanto psicológicos como éticos e legais, relacionados com a área judicial.

 

8ª No que respeita ao último tema abordado neste painel, os estágios profissionais, foi unânime que, para haver estágios na OPP, é necessário existir toda uma reformulação na operacionalização dos mesmos.

 

9ª Ou seja, os psicólogos, para concluírem o mestrado têm que realizar um estágio curricular, o qual não é tido em conta pela OPP. Tal facto coloca várias questões, desde logo do ponto de vista legal/administrativo sobre a pertinência de obrigatoriedade de  estágio profissional, quando já existe um estágio curricular, devidamente acreditado.

 

10ª Apesar da obrigatoriedade dos estágios profissionais por parte da Ordem, bem como da necessidade de haver um protocolo estabelecido com a entidade recetora do estágio, não parece haver uma preocupação e/ou supervisão de forma a avaliar o decorrer da formação profissional, e.g. haver locais que utilizam os estagiários para outras funções que não se coadunam com o exercício da atividade psicológica, havendo por parte da OPP uma omissão de supervisão.

 

11ª Cumulativamente, suscitámos um problema da maior relevância para os jovens que pretendem aceder à profissão: a falta de disponibilização de estágios, em virtude de muitas instituições se recusarem a remunerar o trabalho. Parece, de facto, que a OPP opta por uma linha de ação nitidamente elitista e cerceadora do direito de muitos mestres acederem à profissão, porque não podem dispensar-se de salário para realizarem o estágio profissional exigido, o que coloca a necessidade de se encontrarem novos rumos que possam proteger e garantir a qualidade dos psicólogos.

 

12ª Outro problema elencado foi a realização de estágios profissionais em áreas para as quais os psicólogos não têm formação académica, isto é, independentemente, da área de mestrado em que o psicólogo se formou, obrigatoriamente terá que realizar o estágio na área de Psicologia Clínica e da Saúde ou em Psicologia da Educação ou em Psicologia do Trabalho, Social e das Organizações. Tal facto põe em causa não só as competências do exercício da profissão, bem como, o próprio Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses, no que alude aos princípios gerais, especialmente, o Princípio B — Competência, onde é referido que, para exercer a atividade profissional, é necessário assegurar os pressupostos técnicos e científicos da profissão e que, sem uma formação e conhecimentos adequados, o profissional pode prejudicar o cliente e contribuir para o descrédito da profissão.

 

13ª É urgente haver uma reflexão sobre os trilhos e caminhos da Psicologia Forense em Portugal. É indispensável manter elevados padrões de conduta, clarificar os papéis e atuação, bem como as obrigações profissionais, assumindo a responsabilidade e salvaguardando o respeito e promoção dos direitos fundamentais das pessoas. Deste modo, devem-se tomar medidas necessárias para evitar prejudicar aqueles com quem se interage profissionalmente, minimizando danos quando estes são previsíveis e evitáveis.

 

 

Quanto ao tema Ensino & formação, foram discutidas questões relacionadas com as necessidades formativas, quer em sede de curricula de mestrados quer no que tange às formações não conferentes de grau, concluindo-se:

 

1ª A educação e formação universitárias que conferem grau académico em Psicologia Forense deverão privilegiar, sob pena de insuficiência e de não corresponderem às necessidades, o núcleo duro da Psicologia Forense, reconhecido como tal pelos sistemas de ensino onde são formados estes psicólogos e pelas práticas nacionais e internacionais, especialmente: (i) as vertentes teóricas básicas da Psicologia Criminal (e sobre os comportamentos criminais, sem desprezar o elenco de informação carreado pela Criminologia e pelas ciências do comportamento desviante) e da Psicologia Forense, associando-as ao espaço de germinação e de ocorrência das situações, o campus judicial, o que requer aprendizagem sobre os principais dispositivos formais de controlo (v.g. tribunais, polícias, prisões, reinserção, centros educativos, comissões de proteção de menores e comissões para a dissuasão da toxicodependência) e sobre os mecanismos de cooperação e confluência entre justiça e Psicologia que se desenvolvem na práxis quotidiana, potenciando a passagem para a segunda fase, (ii) a intervenção, na qual deverão ser ministrados conhecimentos teórico-práticos que possibilitem ao estudante compreender os meios de ação de que dispõe nos cenários onde vai trabalhar, concedendo-se acentuado enfoque à avaliação psicológica forense, sem esquecer a construção de relatórios – sem a converter numa avaliação psicológica clínica – e ao acompanhamento, sem o restringir aos processos terapêuticos; (iii) a aprendizagem sobre os atores e cenários que vai encontrar quando no desempenho da atividade, abrangendo não apenas o campo criminal, mas também o forense de natureza não criminal, destacando-se: as áreas de família, incluindo as ruturas da conjugalidade e da parentalidade, bem como os inerentes processos de regulação das responsabilidades parentais; a justiça de menores e o sistema de aplicação da lei tutelar educativa e os processos de promoção e proteção, bem como a intervenção nas comissões de proteção de menores; as questões de índole civilista, desde as incapacidades, permanentes, temporárias e acidentais, à responsabilidade civil, mormente a subjetiva, ao negócio jurídico e à contratualização e ao problema da vontade livre e consciente, e respetiva avaliação; a componente sucessória, das impugnações testamentárias à realização de autópsias psicológicas; a mediação de conflitos, incluindo a familiar; a justiça laboral, nomeadamente no que concerne à avaliação de danos por doenças profissionais, os sinistros de trabalho e os danos não patrimoniais decorrentes do mobbing e dos despedimentos ilícitos; a recolha de depoimentos – Psicologia do Testemunho – e a avaliação da credibilidade e da fiabilidade do testemunho (que, ao contrário do que alguns supões, não são sinónimas), quer em tribunais penais quer nas outras jurisdições, e o estudo das motivações ajurídicas do sentenciar; a utilização da instrumentária de avaliação e de investigação nas esferas criminal e não criminal.

 

2ª Ou seja: há um vastíssimo espaço de intervenção dos psicólogos forenses na justiça que não pode deixar de integrar os curricula universitários, permitindo aos alunos a captação e descodificação da cartografia jurídico-judicial e, destarte, contribuindo para que possam trabalhar na intervenção juspsicológica sabendo os territórios em que se movimentam e os atores com que interagem.

 

3ª Além do que se elencou na conclusão antecedente, os estudantes deverão também obter competências para o trabalho com populações mais vulneráveis e fragilizadas, como as crianças, adolescentes e jovens em risco ou perigo, os idosos, os mais pobres, os reclusos e ex-reclusos, as minorias étnicas, abarcando as situações, comportamentos e circunstâncias de risco, desde logo as dependências, com e sem substância, e preparando-os para a planificação, construção e aplicação de programas de prevenção.

 

4ª Esta componente é fulcral na formação e não pode ser deixada ao relento nas práticas de ensino universitário que se quer sério e competente. Mas, não tão raramente quanto se poderia supor, a intervenção e a prevenção são mal tratadas…

 

5ª Naturalmente que a formação universitária destes profissionais da Psicologia não pode deixar de perceber que existe no plano forense o fenómeno das transfusões de populações, o vaivém entre as ruas e os hospitais, os tribunais, as prisões ou centros educativos e a vida livre, a circulação entre polícias, tribunais e a exclusão, razão por que é fundamental competenciar os futuros psicólogos com estratégias de intervenção junto de populações desvinculadas e excluídas (económica e socialmente).

 

6ª Assim, aos alunos devem ser dadas competências para a captação e descodificação dos comportamentos excluídos e excludentes, de molde a habilitá-los para a intervenção psicoinclusiva, particularmente junto de pessoas em estado de cidadania deficitária.

 

7ª A formação universitária deve ainda preparar os estudantes para os cenários onde vão exercer, ou seja: as zonas mais sombrias das sociedades, as paisagens mais inóspitas, acompanhando as trajetórias desviantes onde se desenham e não através de experiências relatadas ou pelo exclusivo recurso a bibliografia, quase sempre priorizando a leitura de artigos produzidos em outras culturas, com outras populações, ou, por vezes, com amostras recolhidas há uma década!

 

8ª Efetivamente, pode afirmar-se que a aprendizagem requer ir lá, aos locais onde os desvios acontecem, não se compadecendo com o ouvir dizer: a componente prática é imprescindível.

 

9ª Há que desfazer equívocos e desconstruir ideações nefelibatas: os cursos devem preparar o melhor possível para a ação, para a intervenção, pois um psicólogo não é necessariamente um investigador e existem formações, um pouco por todo o lado, que privilegiam exageradamente a investigação e desprezam a aprendizagem das práticas, o que pode conduzir a muito excelentes investigadores, porém maus psicólogos, incapazes de corresponderem aos pedidos sociais endereçados à Psicologia.

 

10ª Na verdade, não nos podemos dar ao requinte de formar pessoas apenas para a investigação, que ficam alheados e desconhecedores de coisa simples, todavia indispensáveis como o que fazer? Como fazer?

 

11ª Todas estas razões legitimam e reforçam ser necessário aproximar os estudantes, principalmente enquanto estagiários, dos centros onde a realidade é trabalhada, como as autarquias locais, os tribunais, as comissões de proteção de crianças e jovens, as prisões, os centros de dia e os lares, enfim, os cenários reais, autênticos e não os virtuais ou os laboratórios!

 

12ª A título de exemplo: como é possível ensinar-se Psicologia do Testemunho sem se conhecerem os tribunais, recambiando tudo para a leitura de obras e, sobretudo, de artigos americanos ou ingleses, onde o sistema judiciário é completamente diferente do nosso, ou exilando a experiência para laboratórios com recurso a “testemunhas” de filmes? Há mais de um século que um português estudou o testemunho com recurso ao animatógrafo; hoje, quando os tribunais têm outra abertura, ensinar testemunho em laboratórios é uma forma de pouco ensinar e de pouco saber!

 

13ª Há muito a modificar no panorama e nas crenças institucionais e tutelares sobre o ensino, que insiste em acentuar a investigação – sem dúvida da maior importância – mas com algum esquecimento pelas necessidades formativas para a ação e intervenção – o business da maioria dos graduados com o mestrado.

 

14ª Casos haverá em que tal decorre de os docentes e formadores, de dentro ou fora das universidades, não serem profissionais nem graduados em Psicologia Forense (ou nesta mesma área, ainda que com outra designação, v. g, Psicologia Jurídica ou da Justiça), pelo que não podem ensinar aquilo em que não possuem grau académico, refugiando-se, por vezes, em narrativas de investigações alheias, ou próprias, quiçá muito válidas cientificamente, mas a latere do objeto central da Psicologia Forense.

 

15ª Também se denota que, em alguns casos, a formação em Psicologia Forense, na subárea criminal, é confundida com formação em Ciências Policiais, chegando-se ao extremo de ensinar os formandos a delimitar zonas de crime. Parece que não se separam as águas entre a Psicologia e a atividade policial, como se os futuros psicólogos forenses se viessem a converter em CSI ou agentes policiais – o que não é o objetivo da aprendizagem. Quem quiser frequentar um mestrado em Ciências Policiais tem escolas e cursos habilitados para isso; mas não podemos dar o mesmo a quem quer ser psicólogo forense ou criminal!

 

16ª Importa, por conseguinte, mudar muita coisa no quadro do ensino e da formação em Psicologia Forense, que tem de deixar de aparecer como uma Psicologia Clínica revisitada, servida por psicólogos clínicos – e também de outras áreas – que, por não terem acedido a desempenhos académicos nas respetivas zonas de formação, se refugiam nas alheias e delas fazem uma Psicologia Forense à sua imagem, por exemplo sob o manto da uma versão dita clínico-forense.

 

17ª Para tanto, há que estimular os estudantes para a compreensão destes fenómenos de mistificação, o mesmo acontecendo em relação aos dispositivos que controlam o sistema, que têm de entender, de uma vez por todas, que é inadiável separar as águas.

 

A PSIJUS continuará a defender a ética, a deontologia e a transparência no exercício da profissão, assim como um ensino universitário de qualidade, ministrado por professores com grau académico especificamente em Psicologia Forense e cursos com curricula adequados às necessidades formativas nesta área, denunciando as tentativas de mistificação.

X Congresso da AIPJ/II Congresso da PSIJUS

A Psicologia Jurídica/Forense nas Estações de Vida

X Congresso da AIPJ/II Congresso da PSIJUS

    A Associación Iberoamericana de Psicología Jurídica (AIPJ), constituída em Buenos Aires, em 1993, integra instituições de profissionais oriundos de diversos países da América Latina, de Espanha e de Portugal, que trabalham em Psicologia Jurídica e Forense. Cabe à PSIJUS – Associação para a Intervenção Juspsicológica assegurar a participação portuguesa naquela entidade, o que acontece desde 2010.

     Bienalmente, a AIPJ reúne-se em congresso, cuja organização compete a uma das associações nacionais. Em 2012, durante o VIII Congresso, que teve lugar na cidade de Quito, no Equador, foi deliberado que a décima edição daquela assembleia magna decorreria em Lisboa, atribuindo-se à PSIJUS a responsabilidade de se assumir enquanto organizadora local, tendo como coorganizadoras a AIPJ, a AIPJ – Espanha e a Universidade Lusófona. Assim,  a realização do X Congresso da AIPJ, simultaneamente com o II Congresso da PSIJUS, teve lugar em Lisboa, nos dias 1, 2, 3 e 4 de Junho de 2016, sendo acolhido pela Universidade Lusófona, no seu campus (Avenida do Campo Grande, nº 376, 1749-024 Lisboa).

    Tratou-se de uma iniciativa que pretendeu promover a discussão e o debate sobre problemas da maior relevância no âmbito deste segmento do saber psicológico, congregando psicólogos jurídicos e forenses, professores e investigadores dos países com representação na AIPJ, bem como estudantes de mestrados e doutoramentos neste campo científico; promovendo a partilha e a troca de experiências entre todos, visando fornecer uma sólida contribuição para o desenvolvimento desta área do conhecimento. 

 

Obrigada pela sua presença!

O Presidente da PSIJUS,

 

Carlos Alberto Poiares

Foi ainda apresentado o Livro
 
"NUEVOS APORTES DE LA PSICOLOGÍA JURÍDICA"
Poiares, C. Urra, J. Echauri, J. Martínez, A.
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